Por Gabriel Fabian Corrêa e Melissa Folmann
O presente artigo visa expor pontos a serem considerados na mensuração da base de cálculo dos honorários advocatícios nas demandas de desaposentação, quando arbitrados no importe de 10% sobre o valor da causa. Importante destacar que os argumentos aqui lançados não são exaurientes e nem mesmo têm a pretensão de indicar ”fórmulas mágicas», pois tudo dependerá de como a tese for conduzida em cada processo.
1. Da base de cálculo para incidência
A condenação sobre o valor da causa se mostra excessiva, e somente poderia ser observada quando não for possível mensurar o proveito econômico obtido na demanda, nos moldes do artigo 85, §2º do CPC:
«Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
[…]
§ 2º. Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:
I – o grau de zelo do profissional;
II – o lugar de prestação do serviço;
III – a natureza e a importância da causa;
IV – o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.»
Ocorre que é possível mensurar o proveito econômico obtido pelo INSS, eis que está consubstanciado no valor que deixou de pagar na hipótese de procedência da tese, o que não é capaz de ser representado pelo valor da causa.
Em virtude de construção jurisprudencial, passou-se a exigir que o cálculo do valor da causa incluísse valores já recebidos pelos segurados, contudo, o pedido de devolução de parcelas recebidas trata-se de matéria de defesa ventilada pela autarquia em suas contestações.
Neste sentido, mesmo diante da improcedência da demanda, o benefício do segurado resta mantido, de forma que o proveito econômico do INSS, sobre o qual deveria recair o percentual de sucumbência, não pode abranger o cálculo dos valores recebidos, na medida que o segurado não teve que devolver qualquer importância à título de benefício previdenciário.
Não se mostra razoável exigir do segurado o pagamento de sucumbência sobre os valores recebidos a título de aposentadoria, eis que a autarquia não obteve êxito no pedido de devolução destes, ou seja, o autor não foi condenado a devolver valores percebidos.
Portanto, a base de cálculo dos honorários advocatícios que representa adequadamente o proveito econômico obtido pelo INSS está na diferença mensal entre o benefício concedido e aquele pretendido na ação judicial, não abrangendo a devolução de valores recebidos.
Exemplificativamente, se considerarmos uma diferença mensal pretendida pelo segurado (R$ 2.000,00), e as parcelas vincendas em 5 meses de processo, entre o ajuizamento e a sentença, teríamos uma condenação de aproximadamente R$ 10.000,00, que ensejaria eventual verba sucumbencial de 10% (dez por cento) no importe de R$ 1.000,00.
Todavia, ao se optar pela utilização do valor da causa como base de cálculo, ignorando o verdadeiro proveito econômico obtido pelo INSS, a r. Sentença acaba por violar o princípio da isonomia, eis que concederia à autarquia honorários advocatícios que poderiam chegar a 20 vezes o valor supracitado.
Ora, somente poderia se utilizar o valor da causa como base de cálculo para os honorários, caso fosse impossível constatarmos o real proveito econômico obtido pelo INSS, o que não se aplica ao caso concreto.
Conforme destacamos, o segurado não teve que devolver qualquer valor recebido à título de benefício previdenciário, razão pela qual estes valores não devem integrar a base de cálculo para fixação dos honorários devidos ao INSS.
Reiteramos que a inclusão dos valores já recebidos pelo segurado no cálculo decorre de interpretação jurisprudencial e não representa a real vantagem a ser obtida pelo segurado, eis que a alegação de necessidade de devolução é ventilada pelo INSS e não representa pretensão efetiva do autor.
Diante de todo o exposto, há de se estabelecer como base de cálculo o proveito econômico da autarquia, consistente na diferença entre o valor pretendido e o atualmente recebido, multiplicada pelo número de meses que decorreram entre o ajuizamento e a prolação da Sentença, em observância a Súmula 111 do STJ.
2. Do princípio da segurança jurídica
O princípio da segurança jurídica, em seu aspecto objetivo significa a proteção do direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada, nos termos da Constituição Federal, art. 5º, XXXVI.
Na visão de Canotilho:
«O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideravam os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança como elementos constitutivos do Estado de direito.»[1]
[1] CANOTILHO, José Joaquim. Direito Constitucional e teoria da constituição. 2. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1998.
Por ocasião do ajuizamento do processo os segurados possuíam significativa parcela de confiança de procedência de seus pedidos, eis que a tese da desaposentação encontrava Juízo de procedência em quase totalidade dos Tribunais Regionais Federais, além de que perante o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento ocorrido em sede de recurso repetitivo, a procedência total da tese restou definitivamente confirmada.
Apesar de o Supremo Tribunal Federal ser o detentor da orientação final sobre o tema, há que se reconhecer que quando do ajuizamento da ação os segurados possuíam quantidade significativa de precedentes em seu favor, não sendo razoável suportarem condenação ao pagamento de valores abusivos à título de sucumbência.
Em que pese o posicionamento adotado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, aplicando as disposições trazidas pelo novo CPC com base na data em que proferida a Sentença, destacamos que os segurados somente poderiam analisar os riscos existentes com a legislação vigente na data da propositura da demanda, ou seja, o CPC/1973.
Ainda que assim não fosse, imperioso assegurar àqueles jurisdicionados que ingressaram judicialmente antes da vigência do novo código, seria a aplicação de regras de transição que visem à garantia das situações em curso na mudança, sob pena de aplicação retroativa da alteração e consequente violação aos princípios da segurança jurídica, do direito adquirido e do ato jurídico perfeito.
Também, menciona-se que a segurança jurídica deve ser recordada e aplicada neste caso, sendo ela norma de maior hierarquia em nosso ordenamento jurídico. Humberto Ávila a conceitua como sendo uma norma jurídica da espécie norma-princípio «[…] porque pelo exame da sua estrutura e das suas partes constituintes, verifica-se que ela determina a proteção de um ideal de coisas cuja realização depende de comportamentos, muitos dos quais já previstos expressamente».
No que se refere ao aspecto material de segurança jurídica Ávila nos ensina que ela representa um estado de cognoscibilidade, de confiabilidade e de calculabilidade.
Cognoscibilidade seria a capacidade de o sujeito ter acesso material e intelectual ao conceito normativo. Como não é possível uma solução pré-determinada para problemas jurídicos, entende-se que a cognoscibilidade «[…] apresenta uma concepção determinável de interpretação, no sentido de que as regras contêm conceitos, contudo estes são, em virtude da linguagem, em alguma medida indeterminados, possuindo, entretanto, núcleos de sentido já fixados intersubjetivamente, que pela doutrina, quer pela jurisprudência, ao longo do seu uso, dos quais o intérprete não pode se afastar».
A confiabilidade, por sua vez, visa assegurar estabilidade e continuidade normativas «visto que os direitos de propriedade e liberdade pressupõem um mínimo de permanência das regras válidas como condição para que o homem possa livremente plasmar a sua própria vida […]».
Por fim, a calculabilidade seria a capacidade de antecipar os conteúdos normativos. Este conceito está ligado, também, à possibilidade de modificação das normas, devendo ser entendida como:
«[…] a elevada capacidade de prever o espectro das consequências jurídicas que normas futuras poderão atribuir aos fatos regulados por normas passadas: embora o Poder Legislativo tenha competência para inovar no ordenamento jurídico, os direitos fundamentais só serão efetivamente respeitados se as inovações não forem bruscas, drásticas e desleais. Assim não há calculabilidade quando o contribuinte, embora deva saber que a norma pode futuramente mudar, não apresenta condições de saber dentro de que limites ou em que medida aquela será alterada.»
Segurança jurídica, portanto, representa um instrumento de realização de direitos fundamentais, pois não há como se falar em segurança sem estabilidade e calculabilidade da atuação estatal.
Em outros termos: o indivíduo não consegue exercer o direito de «autodeterminação livre de sua vida digna» se sujeito à interferências e alterações de comandos legais ou mesmo de interpretação jurisprudenciais.
Dito isto, a fixação da sucumbência mediante aplicação da regra disposta no NCPC indiscriminadamente, para demandas ajuizadas anteriormente à vigência da nova legislação, acaba por ferir os princípios da segurança jurídica, do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, tutelados constitucionalmente pelo art. 5º e inciso XXXVI.
Isto posto, pugnamos pela aplicação do art. 20, § 4º do CPC/1973, vigente ao tempo em que ajuizada a ação, para fins de que sejam reduzidos os honorários e fixados com observância ao trabalho desempenhado, o lugar da prestação do serviço, a natureza e o tempo exigido na demanda, eis que foram apresentadas duas petições, em ambiente eletrônico, mediante uso de modelo de peças padronizadas de defesa.
3. Da violação aos princípios da isonomia e razoabilidade
A fixação de sucumbência em importe de 10% sobre o valor da causa viola o princípio da isonomia e da razoabilidade, senão vejamos.
Na hipótese de procedência da tese, cediço que a autarquia somente seria condenada ao pagamento de honorários advocatícios a serem calculados sobre o valor da condenação, a qual somente contaria com atrasados a partir do ajuizamento da ação, e ainda assim, seriam limitados até a data da prolação da Sentença.
Em outras palavras, no caso hipotético, se considerarmos a diferença mensal pretendida pelo Apelante (R$ 2.000,00), e as parcelas vincendas em 5 meses entre o ajuizamento e a sentença, teríamos uma condenação de aproximadamente R$ 10.000,00, que ensejaria verba sucumbencial no importe de R$ 1.000,00.
Todavia, ao se optar pela utilização do valor da causa como base de cálculo, ignorando o verdadeiro proveito econômico envolvido obtido pelo INSS, a r. Sentença e o legislador acabariam por violar o princípio da isonomia, eis que a autarquia teria o direito de receber à título de honorários advocatícios aproximadamente 20 vezes superior.
Além de violar a equidade no tratamento entre os jurisdicionados, destacamos o abuso ao princípio da razoabilidade, na medida em que a condenação sucumbencial concedida ao INSS representaria valor superior até mesmo que o valor principal objeto da demanda, eis que conforme dito acima, o segurado receberia em caso de êxito quase R$ 10.000,00, valor inferior a verba arbitrada ao INSS à título de sucumbência.
Nos processos de desaposentação constata-se que não foi necessária a produção de prova pericial ou a realização de audiência para produção de prova oral, sequer requerida a dilação probatória, a fim de justificar a demanda de muitas horas na elaboração dos atos processuais que pudessem justificar o elevado valor fixado à título de honorários sucumbenciais.
Neste sentido cumpre destacar que, após julgar centenas de situações análogas, e preocupado em impedir o enriquecimento ilícito mediante pagamento abusivo de honorários sucumbenciais, ou ainda, o arbitramento vil dos valores, o Superior Tribunal de Justiça editou a Sumula 7, autorizando a reavaliação dos patamares fixados, a fim de evitar injustiças com os jurisdicionados e seus procuradores.
Ademais, em julgamento pelo rito do art. 543-C do CPC/73, pacificou o entendimento de que, «vencida a Fazenda Pública, a fixação dos honorários não está adstrita aos limites percentuais de 10% e 20%, podendo ser adotado como base de cálculo o valor dado à causa ou à condenação, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, ou mesmo um valor fixo, segundo o critério de equidade» (STJ, REsp. 1.155.125/MG, Rel.: Min. Castro Meira, Primeira Seção, julgado em 10/03/2010, DJe 06/04/2010).
Destacamos que referido precedente uniformizador foi proferido em análise ao teor do artigo 20, §3º do CPC/1973, que da mesma forma que a atual redação, previa que os honorários seriam fixados no mínimo em dez por cento sobre o valor da condenação, todavia, em observância a razoabilidade e a vedação de enriquecimento sem causa, assentou-se a tese de que sendo excessivo o montante, caberia o arbitramento da verba.
Assim, pode se afirmar que o legislador quando da elaboração da norma jamais conseguiria alcançar todas as situações existentes no cotidiano, todavia, este fato não pode obstar que o Poder Judiciário ao analisar de forma individualizada cada demanda, aponte a melhor forma de aplicação do Direito no caso concreto, com respeito e observância aos princípios constitucionais entre eles o da isonomia e da razoabilidade.
É flagrante a quebra de isonomia conferida entre os jurisdicionados, atribuindo onerosidade excessiva em face dos segurados, o qual somente ajuizou a demanda por entender que o benefício previdenciário não se revela suficiente para prover seu sustento próprio e de seus familiares, o que inclusive lhe impõe a condição de manutenção de seu emprego, e, consequentemente, de suas contribuições previdenciárias.
Pelo contrário, quando a Legislação deveria amparar o segurado hipossuficiente frente a inexorável estrutura da Fazenda Pública, preocupou-se em atribuir onerosidade aumentada em detrimento do segurado, lhe impondo percentual excessivo à título de honorários sucumbenciais.
Isto posto, em virtude das peculiaridades em torno da tese de desaposentação, minorar o percentual e a base de cálculo dos honorários sucumbenciais, é medida que se impõe. Devendo se fixar a verba sucumbencial em valor condizente com o trabalho e o tempo despendido no processo, observando-se a natureza repetitiva da demanda.