Muito se discute acerca do exercício de atividade especial por servidores públicos.
Exemplo disto é o Tema de Repercussão Geral nº 942, por meio do qual o Supremo Tribunal Federal discute a possibilidade de aplicação das regras do Regime Geral de Previdência Social para a averbação do tempo de serviço prestado em atividades exercidas sob condições especiais, nocivas à saúde ou à integridade física de servidor público, com conversão do tempo especial em comum, mediante contagem diferenciada (Leading Case: RE 1014286).
Mais recentemente, a Medida Provisória nº 871/2019, posteriormente convertida na Lei nº 13.846/2019, trouxe algumas novidades no que se refere à emissão de Certidão de Tempo de Contribuição (CTC) com anotação de tempo especial.
O inciso IX, incluído no art. 96 da Lei nº 8.213/91 por meio da Lei nº 13.846/2019, determina que para fins de elegibilidade às aposentadorias especiais referidas no § 4º do art. 40 e no § 1º do art. 201 da Constituição Federal, os períodos reconhecidos pelo regime previdenciário de origem como de tempo especial, sem conversão em tempo comum, deverão estar incluídos nos períodos de contribuição compreendidos na CTC e discriminados de data a data.
Em contrapartida, o inciso I do mesmo art. 96 prevê, desde a data de publicação da lei, que não será admitida a contagem em dobro ou em outras condições especiais.
Suscita-se a partir desta aparente contradição legal a seguinte dúvida: é vedada ou devida a emissão de CTC com anotação do exercício de atividade especial?
A resposta pode ser encontrada na Nota Técnica SEI nº 1/2019/CONOR/CGNAL/SRPPS/SPREV-ME, a qual traz orientações relacionadas à possibilidade de contagem recíproca de tempo especial entre os regimes de previdência social para efeito de concessão de aposentadoria especial.
A Subsecretaria dos Regimes Próprios de Previdência Social (SRPPS) da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho manifestou-se, em síntese, no sentido de que a expressão condições especiais equivale à contagem ficta, isto é, à contagem de tempo que majora o tempo de contribuição data a data (por exemplo, a conversão de tempo especial em comum ou o ano marítimo).
Sob esta ótica, não haveria o que se falar em contradição legal entre os incisos I e IX do art. 96 da Lei nº 8.213/91, desde que a certificação de tempo com o atributo especial não esteja acompanhada de sua conversão em tempo comum, situação a qual levaria à contagem ficta.
O responsável pela emissão da CTC deve, portanto, conferir aos períodos em que houve o exercício de atividades em condições especiais o atributo especial. Este, no entanto, está proibido de realizar a conversão destes períodos em tempo comum.
Com a finalidade de instrumentalizar a questão, o Anexo I da Portaria nº 154, de 15 de maio de 2008, acrescentado por meio da Portaria MF nº 393, de 31 de agosto de 2018, apensou no modelo de formulário a ser utilizado pelos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) lacunas para sejam discriminados os períodos de trabalho exercidos na condição de pessoa com deficiência (ao qual se aplicam as mesmas diretrizes), em atividades de risco ou em atividades sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.
Assim, resta perquirir acerca de uma última questão: como ficam os servidores públicos (federais, estaduais, municipais e distritais) ex-celetistas que exerceram atividades especiais antes do advento do Regime Jurídico Único?
Em outras palavras, o INSS pode emitir CTC com conversão de tempo especial em comum para os servidores públicos que tiveram o regime de previdência alterado de Regime Geral de Previdência Social (RGPS) para Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) e, enquanto vinculados àquele, exerceram atividades insalubres, perigosas ou penosas?
A resposta é positiva.
A explicação decorre da jurisprudência pacífica das Cortes Superiores, no sentido de que os servidores públicos que tiveram o vínculo celetista transformado em estatutário têm direito adquirido à conversão do tempo especial em comum, na medida em que o tempo de serviço e os seus efeitos jurídicos regem-se pela lei vigente ao tempo da prestação.
Neste exato sentido, o extinto Ministério da Previdência Social (MPS) editou o Parecer MPS/CJ nº 46, de 16 de maio de 2006, por meio do qual fixou o entendimento de que tem direito à averbação do tempo de serviço público federal prestado até 11 de dezembro de 1990, em condições perigosas ou insalubres, com o acréscimo decorrente da transformação em tempo de serviço comum, o servidor que se encontrava sob a égide do regime celetista quando da implantação do Regime Jurídico Único. Em consonância com o referido entendimento encontra-se a jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU) e a Instrução Normativa INSS/PRES nº 77, de 21 de janeiro de 2015, a qual é expressa no sentido de que se aplicam as orientações contidas no parecer supra extensivamente aos servidores públicos municipais, estaduais e distritais.